janeiro 03, 2017

ROMA

(post muuuuuito longo e que versa sobretudo, sobre arte. Pessoal que só gosta de bagaço - isto não é para vocês).


Roma era a cidade europeia que eu mais queria conhecer. Sobretudo a partir dos meus tempos de faculdade em que me comecei a interessar pelo Barroco e história da arte, Roma era um sonho, já que, qualquer apaixonado por arte, tem que conhecer esta magnífica cidade.
Mais ou menos por esta altura no ano passado, decidimos que os últimos dias do ano seriam passados na Cidade Eterna. E assim foi. 
Levámos as nossas filhotas que, acreditem ou não, e fruto das nossas muitas conversas com elas sobre história e história da arte, se interessam muitíssimo por estes temas, portaram-se muitíssimo bem. Sabemos que elas gostaram do que viram e somos pais orgulhosos. 
Uma dica para os pais que queiram levar os filhotes a uma visita parecida, é fazer um roteiro do que querem visitar e dentro do possível contar-lhes antes as histórias da história de cada uma das obras/locais que querem visitar. a arte presta-se muito a isso, porque as histórias por detrás de um quadro, uma escultura, um monumento são infindáveis.
Eu fiz um desses roteiros e dias antes da viagem li a cada uma delas (e ao marido também, vá), tudo o que sabia e outras tantas outras coisas que descobri, sobre a Capela Sistina (Museu do Vaticano), a Galeria Borghese e as obras principais que lá iríamos encontrar, as várias praças e fontes de Roma, e até a própria história do nascimento de Roma. Quando chegávamos aos monumentos ou obras que constavam do roteiro, eu voltava a ler-lhes a história. E ali, em frente à imagem real, elas podiam ver com os seus próprios olhos o que já tinham ouvido e visto anteriormente, em papel.
Isto fará com que a criançada não morra de tédio nas visitas às igrejas, basílicas, museus em que Roma é tão rica, facilitando a vida aos pais e dando espaço a que aproveitem a oportunidade de mergulhar um pouco na história daquela cidade magnífica, que tem tanto para conhecer, sem terem vontade de cometer um infanticídio com os vossos próprios filhos. 
Parecendo que não, é importante que mostremos aos nossos filhos não só os parques de diversão (que as nossas filhotas também têm desfrutado e muito) mas também o património que há espalhado por esse mundo fora e com países tão ricos em arte como são Itália, França e Espanha aqui tão perto, é relativamente simples, aos poucos, ir-lhes mostrando o que de mais belo há no mundo, o património da Humanidade, no fundo. E é uma verdade la palisse mas não deixa de ser uma verdade: o saber não ocupa espaço.
Bom, se estiverem a pensar visitar Roma, eu passo o meu roteiro com tudo explicadinho e até com as dicas dos melhores restaurantes de Roma, onde se pode comer bem e baratinho, que isto de ver arte é muito bonito mas comer uma bela pizza e uma luxuriante pasta, também não é nada mau!

Estivemos 5 dias em Roma. Cinco dias intensos e emocionantes, devo dizer. Tudo em Roma é um monumento. Andamos 100 metros e temos uma igreja, andamos mais 100 metros e temos uma fonte, uma praça, uma ponte projectada por artistas do século XVII, com esculturas de uma ponta à outra, mais uma basílica, o Coliseu, ruínas romanas, e bairros com aquele mood italiano muito próprio e encantador... enfim, é tudo maravilhoso. 
Logo no dia em que chegámos rumámos ao Coliseu. Devo dizer que de tudo o que visitámos, foi o que menos me impressionou. Não é que não seja impressionante, porque é e muito, mas tem a ver, penso eu, com o meu sentido de estética. Gostei de ver, acho que é visita obrigatória, mas eu sou uma apreciadora voraz de pintura e escultura (sobretudo do período Barroco) e estava desejosa para ver algumas obras de arte que me têm acompanhado quase uma vida inteira e que ainda só tinha visto "em papel".
Eram elas:

1.Galeria Borghese onde estão as esculturas de Bernini "O Rapto de Proserpina",  "Apolo e Daphne" e "David"

2. O Museu do Vaticano onde estão obras de Rafaello (sobretudo "A Escola de Atenas" e a Capela Sistina, claro

3. A Basilica de S.Pedro onde está a "Pietà"

4. A igreja Sta. Maria della Vittoria onde está a escultura "O Êxtase de Sta. Teresa"

5. A Fontana dei Quattro Fiumi, na Piazza Navona

6. A Fontana di Trevi

7. E muitas outras obras, sobretudo as de Bernini que populam por toda a Roma

Não farei a descrição das obras que tivemos o privilégio de ver por ordem cronológica, nem vou fazê-lo por ordem de importância ou gosto pessoal. Vou fazê-lo à medida que me vão surgindo as lembranças e neste momento, vem-me à memória o momento em que vi a Pietà de Michelangelo.
Visitámos a Catedral de S.Pedro no 4º dia da nossa estadia em Roma. O objectivo primeiro (o meu, pelo menos) não era tanto ver a Catedral em si, embora ache que não devemos morrer sem antes ver aquilo que eu considero ser a "mãe de todas as igrejas", porque é realmente algo que uma vez visto, nunca iremos esquecer. É um daqueles locais que por mais que se imagine como será, nada nos prepara para o que realmente é. Porque é magnífica, porque é imponente, porque é grandiosa e porque nos sentimos realmente na presença de Deus ali dentro. É realmente um local a visitar.
Mas eu queria entrar na Basílica, embora a fila de mais de duas horas de espera desencorajasse um pouco, para poder ver ao vivo a Pietà de Michelangelo. 
Imagem retirada da internet
A MINHA foto

Imagem retirada da internet
Para quem não sabe, a Pietà versa sobre o tema Stabat Mater ,que normalmente é representada com Maria em pé junto da Cruz, angustiada pela morte do filho. No entanto, esta Pietà de Michelangelo é antes um momento de reconciliação e aceitação. Tal é magistralmente demonstrado pela expressão de paz e resignação de Maria que seguro o seu filho morto em seus braços. O seu belo rosto venceu o sofrimento e ao invés do sofrimento, demonstra paz. Diz-se que, tendo perdido a sua mãe aos 5 anos, Michelangelo terá usado a memória que tinha de sua mãe para esculpir o rosto de Maria.
A Pietà é um tema recorrente na arte sacra. Nenhuma, no entanto se compara a esta de Micheangelo, esculpida em mármore, entre 1498 e 1499, quando o escultor tinha apenas vinte e poucos anos. 
Embora não nos possamos aproximar da escultura que se encontra à entrada da basílica, do lado direito, dentro de uma enorme caixa de vidro, podemos ver Maria que contempla em seus braços o corpo sem vida e pequeno (foi esculpido pequeno intencionalmente por Michelangelo para dar maior expressividade à obra) do seu filho saído da cruz, sem vida.
Reza a história que ao apresentar esta obra ao público, muitos foram os que duvidaram que teria sido Michelangelo, na altura muito jovem, a esculpir esta obra prima. Michelangelo,ferido no seu orgulho, esgueirou-se de volta à Basílica durante a noite e gravou o seu nome na faixa que atravessa o peito da Virgem.
"Michel A(N) Gelus Bonarotus Florent (Inus Faciebat)"
"O Florentino Michelangelo Buonarroti, mensageiro de Deus, fez isto"
No entanto, arrependendo-se desta explosão de orgulho, Michelangelo prometeu nunca mais assinar outro trabalho novamente e nunca mais o fez, sendo a Pietà a única obra deste artista que está assinada.
No dia 21 de Maio de 1972 a Pietà foi atacada a marteladas por um turista que conseguiu escapar à apertada segurança da basílica. O geólogo australiano de origem húngara Laszlo Toth, que sofria de graves distúrbios mentais, lançou-se sobre a escultura, gritando "Sou Jesus Cristo ressuscitado de entre os mortos" e martelou a estátua quinze vezes, destroçando o rosto e corpo - partiu o nariz, braço direito e o cotovelo de Jesus.
Pietà antes e depois do restauro, após o violento ataque que sofreu
Cinquenta fragmentos soltaram-se da estátua e alguns visitantes aproveitaram a confusão para levar alguns pedaços, tornando a recuperação desta obra prima ainda mais difícil.
Hoje encontra-se dentro de uma caixa de vidro, à prova de bala. Uma pena para os visitantes que não a podem ver mais de perto. Seja como for, é uma obra que não podem um dia deixar de ver e apreciar.
Eu já cumpri o meu sonho.

Só para terminar, uma última curiosidade: Michelangelo esculpia as suas peças de um único bloco de mármore, que ele próprio escolhia criteriosamente, muitas vezes, esperando longos períodos pelo bloco de mármore perfeito.
Michelangelo dizia que apenas "libertava" as personagens de dentro da pedra ao esculpi-las. Sabendo disto e em presença das obras de Michelangelo, como a Pietà, por exemplo, mesmo quem não seja apreciador, é impossível ficar-se indiferente!
Imagem retirada da Internet

Imagem retirada da internet

Imagem retirada da internet

Quando parti para Roma levava na bagagem o desejo muito grande de estar frente a frente com duas estátuas do meu artista favorito de todos os tempos, quando falamos de escultura -  Gianlorenzo Bernini. 
Por toda a cidade de Roma se podem encontrar obras deste artista. Fontes, praças, edifícios, esculturas, de tudo um pouco este artista do período Barroco fez. Bernini foi pintor, escultor, arquitecto, cenógrafo, artesão e embelezou esta cidade como mais nenhum artista fez.
As obras "O Rapto de Proserpina" e "Apolo e Daphne" encontram-se na Galleria Borghese.
A Galeria Borghese, está situada dentro da Villa Borghese, um dos maiores parques verdes de Roma e foi construída especificamente para ser um museu.
É um museu pequeno e acolhedor e apesar da sua dimensão, é de uma beleza indescritível. Durante a visita a este museu, a páginas tantas não sabemos muito bem para onde olhar: para o tecto? Para as obras? Para o chão? É tudo belíssimo!
Para visitar esta galeria de arte, tem que se fazer a reserva com antecedência e há um número limitado de entradas. A visita faz-se muito bem, com poucas pessoas à nossa volta, e é realmente uma experiência a não perder.
Quando fizemos as reservas de entrada, optámos pela visita guiada, e foi a melhor coisa que fizemos. De facto, mesmo para quem é conhecedor, a visita guiada dá outro encanto e interesse, porque se descobrem e (re)descobrem factos e histórias que enriquecem em muito a experiência.
Eu ia, como já disse, ansiosíssima por ver as duas esculturas de Bernini que mais admiro e quando, a determinada altura da visita, entrei na sala onde estava  "O Rapto de Proserpina", o impacto foi gigante.
Em primeiro lugar não esperava que esta escultura estivesse logo na 3ª sala que entrámos - devido à sua importância, pensei que estivesse guardada mais para o fim da visita - segundo, porque não esperava que fosse tão grande, 3º porque, para alguém que passou anos a olhar para uma imagem em papel, e a falar desta obra, (inclusive tive a oportunidade e o privilégio de o fazer para uma turma de alunos do 9º ano), olhar para a obra em três dimensões é, no mínimo, esmagador.
Já tive oportunidade de escrever sobre esta obra. Transcrevo então o pequeno texto que publiquei na minha página de Facebook:
foto tirada por mim
Queria falar-vos de O Rapto de Proserpina, que para além de ser de uma beleza estonteante, conta-nos a história da mudança das estações.
Reza a lenda que Proserpina, filha de Ceres, deusa do plantio e da colheita e de Zeus, é raptada por Plutäo, senhor do mundo dos mortos. Sem sua filha, Ceres tornou-se estéril, bem como a terra sob a sua influência, provocando sobre a terra uma grande seca e travando o crescimento de frutos e vegetais. A Deusa estava determinada a reaver a sua filha. 
Convencido por Zeus, Plutäo, acedeu em libertar Proserpina mas antes de a ver partir, obrigou-a a comer 6 sementes de romã, fruto da fidelidade conjugal. Plutäo não o fez inocentemente porque ele sabia que quem come os frutos do mundo dos mortos, não pode regressar ao mundo dos vivos. Isto significava então que Proserpina teria que viver seis meses do ano com Plutäo e os restantes seis meses com a sua mãe Ceres.
Esta lenda ilustra então a mudança das estações - quando Ceres recebe a sua filha por altura da Primavera a terra floresce, mas quando Proserpina é obrigada a voltar para Plutäo, seu marido, inicia-se o Outono onde tudo amarelece, seguido do Inverno onde tudo fica estéril.
Foto tirada por mim
Esta belíssima obra de arte, representa o exacto momento em que Plutäo leva Proserpina. O movimento, as expressões, a anatomia espetacularmente representada, as mãos de Plutäo cravadas em Proserpina (não podemos esquecer que se trata de mármore), as lágrimas que correm pelo rosto de Proserpina, a própria dimensão da escultura, que é enorme e imponente, fazem desta peça, algo do outro mundo. Foi com muita emoção que pude apreciar esta obra magnífica!
Foto tirada por mim

Outra obra que queria muito ver é esta - olhem só o sorriso! :-)
"Apolo e Daphne", tal como o "O Rapto de Proserpina", conta-nos uma história. A lenda de Apolo e Daphne.
E a história é a que se segue:
A maldição de Apolo, o Deus do Sol, caiu sobre si quando insultou Eros (ou Cupido, como preferirem), por estar a brincar com arcos e flechas. Apolo era um grande guerreiro e disse-lhe: "O que pensas que fazes com armas de guerra? Deixa-as para as mãos de quem realmente as merece. Contenta-te com o teu archote, criança e não te metas com as minhas armas".
Cupido decidiu então pregar-lhe uma partida. Para lhe mostrar a superioridade das suas flechas, mandou duas, uma de ouro, com o poder de atrair o amor, sobre Apolo, e uma outra de chumbo, que afastava o amor, sobre a bela ninfa Daphne, filha do Deus-Rio Peneu.
Apolo caiu de amores por Daphne mas ela desprezou-o por completo. Ela desprezava qualquer pretendente que dela se aproximasse. Preferia os desportos de caça e a descoberta dos bosques. O seu pai Peneu, exigia-lhe o casamento para conseguir netos mas ela suplicava que ele a deixasse ficar solteira.
Peneu disse a Daphne: "O teu próprio rosto te proibirá", numa alusão à sua beleza estonteante que faria com que fosse impossível afastar os interessados.
Entretanto, Apolo não desistiu e continuou a persegui-la, suplicando-lhe que ficasse com ele mas Daphne continuou a sua luta. estavam em igualdade de circunstâncias na sua luta quando Eros decide intervir e ajudar Apolo a ganhar Daphne.
Ao ver que Apolo acabaria por ganhar a luta, Daphne invocou novamente a ajuda do seu pai Peneu: "Ajuda-me Peneu, abre a terra e esconde-me ou muda esta minha forma que me colocou em perigo".
Peneu faz o que a sua filha lhe pede e quando Apolo estava quase a tocar-lhe os cabelos, Daphne sentiu um torpor estranho apoderar-se dos seus membros: o seu corpo revestiu-se de casca, os seus cabelos transformaram-se em folhas, os seus braços mudaram-se em ramos e galhos, os pés cravaram-se na terra como raízes. Impotente perante a metamorfose da sua amada em arbusto, o loureiro, Apolo abraçou-se aos ramos e beijou ardentemente a casca, declarando:
"Já que não podes ser minha esposa serás a  minha planta favorita e eternamente me acompanharás. Usarei as tuas folhas sempre verdes como coroa e participarás em todos os meus triunfos, consagrando com a tua verdura perfumada as frontes dos heróis".
Apolo jurou que as folhas de loureiros enfeitariam as cabeças de líderes (notem que Júlio César usava a coroa de loureiro) e usou os seus poderes de imortalidade para dar ao loureiro a sua cor sempre verde.


A sério que é uma escultura lindíssima! E se dermos uma volta inteira à obra, podemos ver as diferentes fases da metamorfose de Daphne, como se a estátua ganhasse vida e se transformasse diante dos nossos olhos. É de tal forma impressionante que quase nos esquecemos que estamos diante de um bloco de mármore, tal é o movimento que a obra nos transmite. É mágico!
Mais um item na minha personal Bucket List onde fiz um check!

Bom, este texto já vai longo e eu ainda tenho tanta coisa para vos contar e mostrar, pelo que hoje deixo-vos com estas 3 histórias e amanhã falar-vos-ei de outras obras que ainda tenho guardados nas minhas lembranças.

Espero que tenham gostado, espero que vos tenha despertado alguma curiosidade e acima de tudo, espero ter conseguido, neste primeiro texto, transmitir-vos a admiração e o fascínio que tenho por este tema.

Entretanto, e como já estamos no novíssimo 2017... Auguri!!



1 comentário:

Unknown disse...

Top Cris! Vou a Roma este Verão ��