janeiro 05, 2017

ROMA - Part III

Como referi no primeiro texto, Roma é um Museu a céu aberto. Por todo o lado que passemos somos brindados com obras de arte, sejam igrejas, fontes, praças, estátuas, tudo. O grande responsável de Roma ser esta obra de arte foi, sem dúvida Gianlorenzo Bernini.
Bernini reinou no período Barroco como mais nenhum outro artista fez. Ele participou em quase todos os principais projectos de arquitectura do século XVII em Roma, como a Fabbrica di San Pietro, a decoração da Ponte Sant'Angelo e na criação de uma quantidade assombrosa de capelas, altares, estatuária, fontes, monumentos funerários, bustos, etc.
Bernini era um artista voraz, que produzia obras atrás de obras, todas de uma qualidade magnífica. Há um busto (aliás dois) do seu mecenas Cardeal Scipione Borghese (também expostos na Galeria Borghese) que conta uma história curiosa.
Depois de terminado o busto, os colaboradores de Bernini descobriram uma fenda na testa do Cardeal, ao polirem a estátua. Esta fenda, segundo Bernini, transformava por completo as feições do Cardeal, lançando-se de imediato ao trabalho para esculpir um novo busto, exactamente igual.
Sabendo que o Cardeal se encontrava ansioso por mostrar o busto ao seu Tio o Papa Paulo V, Bernini esculpiu um busto exactamente igual em apenas 3 dias!! Ambas as estátuas se encontram, lado a lado na Galeria Borghese.
Estes dois bustos valeram-me o único ralhete que levei em Museus (ever) - normalmente porto-me sempre muito bem, mas neste caso, fui lá pôr a mão e vejo logo um Tarzan Taborda italiano a vir na minha direcção a gritar NO TOUCH!  Com as minhas filhas a ver a cena toda... bonito.

Descubra as diferenças :-)










Agora queria falar-vos um pouco das Fontes que adornam a bela Roma.
As fontes são uma característica muito importante da paisagem urbana de Roma. Do século XVI em diante e sobretudo durante o pontificado do papa Gregório XIII as fontes multiplicaram-se por vários locais da cidade de Roma.
E mais uma vez Bernini! 😊
Este artista tornou as fontes em verdadeiros marcos, transformando por completo os locais onde se encontravam, sempre com a valorização do papel da água e misturando magistralmente elementos da natureza, arquitectura e escultura, num só bloco.
Nestas fontes podemos ver golfinhos, tritões, conchas, e os mais diversos animais, combinados com a água e contando sempre uma história que estaria relacionada ou com os seus patronos ou com eventos históricos.
Bernini confessou a Chantelou (um colecionador e mecenas francês muito próximo de Bernini) que "Era amigo da água", ele dizia que a água o tornava uma pessoa melhor. E talvez por isso, as fontes projectadas por si sejam tão espectaculares.

Comecemos este pequeno périplo pelas fontes com uma pequena obra prima que se encontra ao fundo da escadaria da Piazza di Spagna. Quem já teve oportunidade de visitar este local, reparou nesta fonte?  Trata-se da Fontana della Barcaccia, projectada por Pietro Bernini (pai de Bernini) e terminada pelo seu filho Gianlorenzo.





Nesta Fontana della Barcaccia, o artista ultrapassa as dificuldades técnicas que resultavam da pouca pressão da água neste local, que o impedia de criar uma obra com grandes jactos e repuxos de água (como vemos em outras fontes de sua autoria), criando uma composição pouco usual na sua obra, Bernini transforma a fonte numa barcaça cheia de água, prestes a afundar-se.
Os brasões que podemos ver em cada extremidade, têm como objectivo lembrar os romanos que era graças à generosidade papal que eles tinham o abastecimento de água na cidade. Afinal de contas, Bernini era o artista do Papa e havia que agradar ao seu "patrão. Por esta razão, outra das suas fontes - Fontana del Tritone -, na Piazza Barberini, encomendada pelo Papa Urbano VIII, com o objectivo de conferir uma imagem de poder ao pátio da nova residência familiar volta a ter mais referências ao poder papal da altura.


Fontana del Tritone
Um grupo de peixes entrelaça as suas caudas para segurar a tiara e as chaves papais assim como a insígnia papal


Mas voltando à Fontana della Barcaccia, mais uma curiosidade: (estão a ver como há tantas histórias da história?) o formato desta fonte foi escolhido antes do rio Tibre ser circundado por muros. O rio Tibre era responsável por muitas cheias quando o seu caudal avançava sobre a cidade. A mais grave de todas foi em 1598, quando a Piazza di Spagna ficou completamente submersa. Quando a água recuou houve um barco que ficou encalhado nesta praça. Quem sabe se foi nesse acontecimento insólito que Pietro Bernini e seu filho foram buscar a inspiração? 
Já sabem, na vossa próxima visita a Roma, não deixem de lá passar. 


A Fontana diTrevi é assim uma coisa maravilhosa do outro mundo! É certo que está sempre, sempre cheia de gente (a qualquer hora do dia, a sério) mas não deixa de ser a fonte mais imponente e magnífica que já vi até hoje. Para além de ser enorme, é lindíssima e tanto de dia como de noite, esta fonte tem uma beleza etérea que a torna um dos pontos turísticos mais visitados de Roma, por ser também um dos mais bonitos.
Foi aqui que estes vossos amigos, esta família de malucos, entrou no novíssimo 2017, debaixo de um frio de rachar mas felizes por entrarem no novo ano num local tão bonito e emblemático. A título de curiosidade, foi sem surpresa que após as 12 badaladas e a contagem em coro italiano  dieci, nove, otto, sette, sei, cinque, quattro, trei, due, uno, se ouviu ao nosso lado um "FELIZ ANO NOVO PESSOAL!!" bem portuga.  Estamos por todo o lado!
E para aqueles que se perguntam, sim, eu gritei VIVA O BENFICA, no 1º segundo do ano!

Sobre esta fonte já escrevi na minha página de Facebook e deixo-vos aqui o texto:

Amplamente trabalhada com pedras de travertino e mármore carrara, a fonte tem como destaque o Deus Oceanos, com a sua vasta barba, montado na sua carruagem em forma de concha, puxada por dois cavalos e dois tritões. Pode ver-se a figura alegórica da Abundância no nicho à esquerda ostentando a sua cornucópia, e do outro lado, está a figura da Saúde, coroada de lauréis, com uma cobra que bebe da sua taça. Quem tem conhecimentos de botânica pode divertir -se a tentar descobrir as 30 espécies diferentes de plantas que se encontram esculpidas na fonte.
Se tentar imitar a cena do filme de 1960 La Dolce Vita (no qual Anita Eckberg dança na água), vai ficar em maus lençóis com a polícia, mas pode beber a água da fonte. A água vem de um dos aquedutos construídos pelo Imperador César Augusto, que tem sido usado desde 17 a. C., portanto está sempre fresca. A visita à fonte só ficará completa se deitar algumas moedas na água. Dizem que uma moeda garante a próxima visita a Roma, duas garantem que se vai apaixonar por um romano e três farão soar os sinos do matrimónio.
Se é ou não verdade, a fonte recebe todos os dias cerca de €3,800 e todas as manhãs as moedas são recolhidas e doadas a uma entidade local. 

Depois há a Fontanna dei Quattro Fiumi. Para não variar esta fonte é linda e para não variar é mais uma obra de Bernini!

Esta fonte situada na Piazza Navona, tal como aconteceu na Piazza di Spagna com a Fontana della Barcaccia e na Piazza Barberini com a Fontana del Tritone, tornou emblemático o local onde foi instalada. Encomendada a Bernini pelo Papa Inocêncio X, foi originalmente assignada a Francesco Borromini que propôs ao seu "cliente" uma obra altamente simbólica mas um pouco desprovida de cenário artístico ou se quiserem, drama.
Graças à intervenção da cunhada do Papa Dona Olimpia Maidalchini, Bernini conseguiu fazer chegar ao papa um esboço da sua proposta para esta fonte. 
O Papa Inocêncio X ficou de tal forma impressionado pela fantasia e opulência da proposta de Bernini que mandou, como se diz na gíria, a proposta do Borromini às couves.
O conceito subjacente a esta composição é o poder da igreja, e a hegemonia sobre o resto do mundo, na pessoa do Papa.
Reclinados num maciço de pedra central flanqueados por plantas e animais, encontram-se as figuras alegóricas dos 4 rios, simbolizando os 4 continentes: o Ganges (Asia), o Nilo (África), o Danúbio (Europa) e o Rio de la Plata (América).
No centro da fonte, um obelisco encimado pela pomba Pamphilj, o símbolo heráldico do Papa Inocêncio X, e que identifica esta obra como um monumento ao poder do Papa e da igreja e à supremacia da religião católica, bem ao estilo do que era feito nesta época. Caso ainda não tenham tido oportunidade de ver ao vivo, o obelisco central é realmente alto, o que contribui ainda mais para a opulência e espectacularidade da obra. 
Do ponto de vista artístico, a fonte transmite-nos uma imagem de vida e movimento muito característico do período Barroco. As figuras alegóricas gesticulam em várias posições, a palmeira dobra-se ao vento, o leão inclina-se sobre a água, o cavalo emerge da cavidade do outro lado da fonte, enquanto que a água jorra para a bacia onde golfinhos nadam... 


No que diz respeito às figuras alegóricas em si, também elas têm um significado. 
O Rio da Prata que está sentado sobre uma pilha de moedas, um símbolo das riquezas que a América poderia oferecer à Europa. 
O Danúbio toca o brasão papal, já que é o maior e o mais próximo rio de Roma.
O Ganges tem um longo remo, representando a navegabilidade do rio.
A cabeça do Nilo está coberta por um pedaço de pano solto, o que significa que ninguém naquela altura sabia exactamente onde nascia o Nilo.


Diz-se que quando o Papa Inocêncio X foi visitar a fonte antes desta estar concluída, muito impressionado, o Papa perguntou a Bernini quando seria possível ver a fonte com a água a correr. Bernini respondeu-lhe que ainda necessitava de mais tempo para que isso fosse possível. 
Quando o Papa estava a afastar-se para partir, Bernini deu um sinal a um de seus assistentes para que ligassem a água e assim o Papa Inocêncio teve oportunidade de ver finalmente a "sua" fonte em todo o seu esplendor, espectáculo que lhe causou "grande comoção". 
O Mestre Bernini foi ajudado nesta grande empresa por alguns dos seus discípulos, que executaram as figuras alegóricas, tendo Bernini executado pessoalmente o maciço central.
  
Bom, as conversas são como as cerejas e este texto já vai tão longo.
Já falta muito pouco para terminar esta minha odisseia e sinto que não vos contei um terço do que Roma tem para contar. Certamente que não. 
No meu próximo texto, fecharei com uma estátua que queria muito ver e apreciar - O Êxtase de Sta. Teresa - e o que vi e aprendi no Museu do Vaticano, que como devem calcular, é MAGNÍFICO. 

Espero encontra-vos mais uma vez.
Obrigada!

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